STJ - Busca pessoal fundamentada em "atitude suspeita" é ilegal
- Nawa Escolano

- 20 de abr. de 2022
- 3 min de leitura

Durante o tempo que passei no Ministério Público, ouso dizer que em cerca de 80% dos Inquéritos Policiais relacionados ao tráfico de drogas que passaram pelas minhas mãos houve uma busca pessoal fundamentada somente na “atitude suspeita” do investigado. Não raro me pegava pensando qual seria essa tal “atitude suspeita” e se eu, ansiosa que sou, teria minha intimidade violada ao ficar nervosa passando ao lado de uma viatura. Por óbvio que não.
Pois bem. Ontem, 19/04, o assunto foi abordado no julgamento do RHC 158580/BA, quando a 6ª turma do STJ, por unanimidade, reconheceu como ilegal a revista pessoal baseada na tal “atitude suspeita”. Isso pois deve haver objetividade na fundada suspeita exigida no artigo 244 do Código de Processo Penal, bem como indícios de que o indivíduo esteja na posse de objetos ilícitos ou que constituam corpo de delito, não bastando a mera interpretação subjetiva da polícia sobre a aparência ou atitude dele.
Não é a primeira vez que o STJ aborda o tópico. A mesma 6ª turma decidiu, em 05/04, com relatoria da ministra Laurita Vaz, que “A percepção de nervosismo do averiguado por parte de agentes públicos é dotada de excesso de subjetivismo e, por isso, não é suficiente para caracterizar a fundada suspeita para fins de busca pessoal".
O habeas corpus pedia o trancamento de ação penal contra homem acusado de tráfico de drogas, abordado em Vitória da Conquista, na Bahia. O réu pilotava uma moto, com uma mochila nas costas, quando foi abordado pela Polícia Militar e, com ele, foram supostamente encontradas 50 porções de maconha, 72 de cocaína e uma balança. A justificativa oferecida pelos PMs para a abordagem e revista foi de que ele estava “em atitude suspeita”. E assim foi preso e processado pelo delito do artigo 33 da Lei de Drogas.
Para o relator do caso, ministro Rogério Schietti, em mais um importante e belíssimo voto, no que tange ao standard probatório, a suspeita deve estar fundada e conjugada à probabilidade de posse de objetos ilícitos, fugindo das impressões subjetivas e demonstradas concretamente, já que a finalidade prevista para a busca pessoal é a de produção de provas, sendo vedada sua utilização para a pescaria probatória ou fishing expedition (que expliquei em detalhes no meu último texto):
"Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de 'fundada suspeita' exigido pelo artigo 244 do CPP"
"O artigo 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como 'rotina' ou 'praxe' do policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas pessoais com finalidade probatória e motivação correlata"
O fato de, efetivamente, terem sido encontradas drogas com o indivíduo não convalida a ilegalidade, de acordo com o ministro, já que a suspeita exigida pelo CPP deve ocorrer e ser fundamentada com o que existe anteriormente à sua realização. Assim, a ausência de fundamentação idônea gera a ilicitude de eventuais provas obtidas, podendo, inclusive, gerar a responsabilização dos policiais, em especial com base na Lei de Abuso de Autoridade.
O ministro traz em seu voto um panorama histórico e social da busca pessoal, mostrando sua origem no período da escravidão para controle dos escravos, e pontuando que deve ser objetivamente fundamentada para "evitar a repetição de práticas que reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural", e crava: "Infelizmente, ter pele preta ou parda, no Brasil, é estar permanentemente sob suspeita". Por isso, por óbvio, nenhuma atitude minha seria suspeita o suficiente para resultar em uma revista pessoal.
"O que se percebe, portanto, é que, a pretexto de transmitir uma sensação de segurança à população, as agências policiais — em verdadeiros 'tribunais de rua' — cotidianamente constrangem os famigerados 'elementos suspeitos' com base em preconceitos estruturais, restringem indevidamente seus direitos fundamentais, deixam-lhe graves marcas e, com isso, ainda prejudicam a imagem da instituição e aumentam a desconfiança da coletividade sobre ela"
Além disso, Schietti trouxe à baila dados das Secretarias de Segurança Pública segundo os quais objetos ilícitos são encontrados em 1% dessas abordagens policiais, mostrando a ineficiência de tais práticas policiais. Traz ainda os dados de Nova Iorque, onde esse percentual era de 12%, ou seja, 12 vezes maior que a brasileira, e ainda assim foi considerado inconstitucional e ilegal em 2013.
Por fim, foi ressaltada a responsabilidade de todo o sistema de Justiça, e a necessidade de que delegados, membros do Ministério Público, magistrados e demais agente reflitam sobre seu papel na manutenção da seletividade racial, ao validarem, muitas vezes, medidas ilegais e abusivas.
Rogério iniciou seu voto com a significativa citação:
Era só mais uma dura
Resquício de ditadura
Mostrando a mentalidade de quem se sente
Autoridade neste Tribunal de Rua
(YUKA, Marcelo. Tribunal de Rua. In RAPPA. Lado BLado A: Warner, 1999, CD, Fx 1)
Fontes:



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